* Rui Perdigão –
Passada mais de uma década no Brasil, arrisco-me agora a escrever alguma coisa sobre as eleições brasileiras. É importante começar por manifestar o prazer que tenho pelo embate político, no qual seja possível, de forma saudável, debater visões de mundo, convicções e práticas humanas de governo, de Estado e de poder. Assim como profundo desagrado pelo ato eleitoral não resultar de um processo dessa natureza.
Infelizmente esse ato parece acontecer unicamente para garantir a alternância em um poder público, e dessa forma poder-se dizer viver em democracia. O que é muito pouco, face ao impacto que o voto causa na vida das pessoas.
Reduzir a eleição a isso é pactuar com o abuso da legitimação que o voto dá a uns poucos, e concordar em repassar a responsabilidade para muitos outros inimputáveis pela inconsciência do voto dado.
É com esse sentimento que observo as próximas eleições no Brasil e uma vez mais, as alterações introduzidas na lei eleitoral. As alterações são muitas e duas delas, a meu ver, apresentam excelência acima da média.
Uma é a nova metodologia de proporcionalidade na distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, em particular no que tende às candidaturas de mulheres e pessoas negras, para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030.
Penso que com essa alteração se pretende, lá na frente, conseguir uma composição de câmara mais consentânea com o perfil da sociedade brasileira que teima em se estruturar verticalmente patriarcal e horizontalmente excludente.
Dois atributos que se a eles somarmos as diferenças de patrimônio e renda, cor de pele, gênero ou histórico ainda muito usadas como arma de destruição em massa de populações, obtemos a evidência do quanto ainda falta alterar.
Destaco uma outra alteração, a Resolução TSE nº 23.610 que objetiva, com o art. 125-A, diminuir os efeitos da poluição ambiental decorrente da propaganda eleitoral.
Penso ser muito importante a representação da preocupação com os níveis de poluição a que os eleitores estão expostos ao longo do seu processo de escolha.
E nesse contexto de toxidade não posso deixar de mencionar a dificuldade que é para as pessoas respirar num ambiente de Fake News.
Já estamos habituados a interpretações públicas preponderantemente dotadas de um dom de mentir, mas ainda não possuímos boa imunidade contra os contágios a que estamos sujeitos por via das mídias digitais.
Fake News não são marketing digital, e sim uma prática que fortalece a falsidade e a profissionalização de um patógeno. Refiro-me a um personagem que sempre se propõe negociar votos, até no mercado paralelo, e que agora dispõe de um poderoso veneno digital com exponencial e mortífero campo de ação.
Desejo sinceramente que a alteração introduzida, a cada ciclo, na legislação eleitoral contribua para o aprimoramento do sistema, não só em termos estruturais e funcionais, mas também na melhoria da forma e conteúdo das preposições político-partidárias.
Partidos políticos que esquecem seus princípios com muita naturalidade e com igual tranquilidade se associam a protagonistas políticos que somente transportam vaidades de um lado para o outro, sem destino, precisam ser definitivamente entendidos como um espetáculo de acrobacia sem rede e de futuro duvidoso.
O Brasil exige que os partidos se requalifiquem e terminem a vergonhosa falta de respeito que têm pelo cidadão que dizem melhor representar e comecem, o mais rápido possível, a fazer a transição do cabo eleitoral para a figura do quadro partidário.
Concepções ideológicas, interpretações e indagações, contradições, ambiguidades e antagonismos, e mais outras pequenas grandes coisas revelam a complexidade do projeto societário, mas uma coisa parece simples, o Brasil pode fazer melhor. Tem a obrigação de fazer melhor. Basta querer.
* Rui Perdigão – Administrador, Geografo, Presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso